Mentaland #8: Panorama da indústria da música na Web3
NFTs, DAOs, Holly+, Sigur Rós, Hermeto Pascoal
Depois de um longo hiato, estamos de volta com a Mentaland para continuar a explorar o fantástico mundo da Web3. Porém, como vou citar bastante o termo Web3, deixo um resumo sobre o que significa cada uma das 3 fases da internet:
Web1: Nos fez consumidores de conteúdo, era da internet estática em que apenas consumíamos o conteúdo.
Web2: Nos fez criadores de conteúdo, é a internet atual. Ela é social e interativa onde somos também criamos conteúdo.
Web3: Nos fará dono do conteúdo, é a internet descentralizada baseada na blockchain. Nela, nós somos os criadores do conteúdo e donos dele.
Qual a diferença entre a Web2 e Web3? Se a Meta, por exemplo, decide tirar o Instagram do ar ou o nosso perfil é deletado, tudo o que foi publicado nele é perdido. Ou seja, o conteúdo após publicado nas redes sociais deixa de ser nosso. Somos criadores, mas não somos donos.
Já na Web3, se eu lanço uma música exclusiva em NFT no Catalog e ele é tirado do ar, o NFT se manterá na blockchain.
Exemplo: O NFT “Elephant Dreams Part II”, do RAC, foi criado no SuperRare. O vídeo foi armazenado no IPFS, sistema de armazenamento peer-to-peer, assim como os torrents. Ou seja, o armazenamento é descentralizado, então não há risco de sair fora do ar.
Quando eu crio o NFT, o vídeo estará num servidor “IPFS” e esse endereço estará no metadata do NFT. Caso o SuperRare seja tirado do ar, eu tenho todas as informações relacionadas ao NFT na blockchain. Com essas informações, eu consigo realocar o NFT para um novo marketplace e ter acesso ao arquivo porque ele não está hospedado no SuperRare e sim no IPFS.
Para entender melhor sobre a segurança dos NFTs, recomendo a leitura deste do case do Hic Et Nunc, marketplace baseado em Tezos que contava com mais de meio milhão de NFTs e que foi deletado, mas a comunidade conseguiu reconstruí-lo totalmente em diversos novos marketplaces.
A Web3, além de descentralizada, é também baseada na construção de comunidades.
Música na Web3
Em julho eu participei do Marte, em Ouro Preto, festival que reúne música, arte e tecnologia, mediando o debate “Os NFTs vão revolucionar a indústria da música?”, a pergunta que não quer calar.
A resposta é não, não vão, mas o surgimento dos NFTs na música tem criado novos modelos de negócios e possibilidades para artistas se conectarem de maneira mais estreita com seus fãs. Ainda não sabemos se no futuro será mais justa nas remunerações, mas tem muita gente trabalhando para isso.
Para começo de conversa, eu ampliaria a conversa para Web3 e a Música, já que o NFT é apenas parte de um universo maior, mesmo que ele permeie todos os projetos, pois tudo que é feito na Web3 envolve contratos inteligentes.
A nova evolução da internet tem como coração o fortalecimento das comunidades como as DAOs (organizações descentralizadas autônomas), que são onde vejo diversas oportunidades para serem exploradas pela indústria da música.
Alguns exemplos de DAOs
Uma das DAOs mais criativas que vi até o momento é a Holly+, da produtora Holly Herndon, conhecida por diversos projetos envolvendo música e inteligência artificial. Não poderia ser diferente, a Holly+ é uma DAO baseada na sua voz e em IA, que permite que qualquer pessoa faça o upload de um áudio polifônico e receba um arquivo dessa música cantada de volta na voz de Herndon. As músicas escolhidas pela DAO vão a leilão em NFTs a cada temporada e o lucro das vendas é compartilhado entre os artistas participantes, os membros da DAO e, por fim, para financiar o desenvolvimento de novas ferramentas para a comunidade.
O Sigur Rós lançou sua própria comunidade baseada em blockchain, a Heimr, sem necessidade de comprar tokens para entrar, porém é preciso ter uma carteira de cripto para acessa-la. O objetivo da comunidade é oferecer notícias em primeira mão, ingressos em pré-venda, merchandising exclusivo, além do acesso à comunidade no Discord.
A Refraction DAO tem por objetivo fomentar a cena de festivais de música e celebrar a música com foco nas comunidades BIPOC e LGBTQ+. Tendo o Refraction Festival como espinha dorsal, a DAO tem realizado eventos em diversas cidades do mundo, como São Paulo, NYC e Berlim. A arrecadação de dinheiro para apoiar projetos ao redor do mundo vem através da venda de NFTs e acontecem via open calls.
Eu participo da Water & Music DAO que tem foco em pesquisas sobre inovação na indústria da música.
Como andam as vendas de NFTs de música?
Um rápido overview: Desde junho de 2020 foram vendidos mais de 2 milhões de NFTs relacionados à música, somando cerca de US$ 176 milhões em vendas. Os três artistas que mais faturaram com venda de NFTs são:
Mas desde então o mercado mudou e os NFTs milionários são mais raros. Se no início o mercado se movia com muita especulação, agora surgem projetos mais acessíveis financeiramente atraindo os verdadeiros fãs. Alguns exemplos: o novo álbum do Muse com NFT; o projeto Mother of Creation, lançado pela Madonna em parceria com o Beeple; a Blondie lançou uma coleção de PFPs (Profile Pictures aka avatar) em homenagem ao Andy Warhol com valor bem acessível (US$ 23 cada); Julian Lennon vendeu diversas memorabilias dos Beatles, incluindo uma nota escrita à mão pelo Paul McCartney de “Hey Jude”.
Mas em NFT de música só tem música?
Quando falamos sobre venda de NFT de música não estamos necessariamente falando sobre a música em si. Pode ser qualquer coisa relacionada ao artista ou à indústria, como memorabilia, ingressos, merchandising, acesso à meet & greet, etc.
Um bom exemplo é o case do Hermeto Pascoal feito em parceria com o marketplace brasileiro Phonogram.me. Durante a pandemia, o artista compôs cerca de 97 músicas inéditas, transformando-as num livro que foi colocado num leilão com 10 cópias. Quem arrematou o livro com todas as músicas inéditas, ganharam também o direito de gravá-las salva algumas restrições.
Outro exemplo são as plataformas de streaming baseadas em blockchain, como a Audius, que promete remuneração mais justa aos artistas do que a atual feita por plataformas como o Spotify e a Apple Music. O clube do Bolinha Royal seleciona os artistas que participam da plataforma e o foco é na venda de percentual dos royalties da música.
O novo festival Superf3st foi lançado de maneira descentralizada, com os fundadores do Bonnaroo e Outside Lands por trás, além da participação de uma lista imensa de artistas envolvidos com a Web3, como RAC, Blond:ish e Pussy Riot. Foram 3 mil NFTs colocados à venda para o público que, ao comprar o Superpass por 0.41 ETH (cerca de US$ 800 hoje), se torna um dos fundadores do festival.
Anthony Volodkin, o criador do Hype Machine, um agregador de blogs de música que fez muito sucesso na primeira década de 2000, lançou o Future Tape, um agregador de músicas lançadas na Web3, que indexa plataformas como o Catalog, Nina, Sound e Mint Songs.
O próprio Catalog está investindo também em conteúdo editorial usando a blockchain. Similar ao Medium, o Mirror é uma plataforma de conteúdo descentralizada baseada em Ethereum, em que o conteúdo publicado fica na blockchain.
As possibilidades são infinitas e estamos ainda no começo da Web3. Eu aposto que num futuro não muito distante sequer usaremos termos como NFT. Eu vou comprar uma música, uma partitura, uma foto, um ingresso, etc… não importa, mas o meio que utilizarei para comprar é o NFT.
Muito bom, Lalai! Vc faz um trabalho muito importante. Precisamos quebrar essas narrativas que só geram frustração de que NFTs de música, por exemplo, vão salvar os artistas de todos os modelos abusivos aos quais hoje eles são submetidos. Mas é importante salientar, como você muito bem fez, que 'existe muita gente trabalhando para isso'. Sem gatilho de ansiedade, mas gatilhando, já estou ansiosa pela próxima. Hahaha. Bjs #yourock